Arquivo para 21 de outubro de 2011

Inside the Favelas

Os traficantes? Não tenho planos de fazer uma história no Brasil, e com certeza não sem entender muito bem o contexto. Não tem nenhum cartunista brasileiro que possa fazer essa história por aí?

Joe Sacco, em entrevista ao Omelete.

favelas

O jornalista Augusto Paim e o desenhista MauMau resolveram dar atenção ao comentário de Joe Sacco e resolveram publicar uma revista sobre a situação em 15 favelas cariocas dominadas pelo tráfico, antes e depois da chagada das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora). O primeiro capítulo da obra, por enquanto somente em inglês, pode ser visto no site do Cartoon Movement.

[Resenha] Lobão – 50 anos a mil

lobão

A autobiografia de Lobão é o que se deveria esperar de uma obra do polêmico artista: contestatória, verdadeira, contada sem falsos pudores e mostrando os podres, as rixas e as amizades adquiridas em seus 50 anos de vida e doideiras.

As histórias contadas por ele são, ao mesmo tempo, engraçadas e trágicas. A leitura é fluida e rápida (até onde pode ser rápida a leitura de um livro com mais de 700 páginas). Em alguns momentos, podemos (aqueles de nós que têm idade suficiente para isso) nos ver vivendo aqueles momentos descritos no livro: o surgimento das bandas que estouraram na década de 80, alavancando o cenário rock nacional, as músicas, os álbuns, as brigas de Lobão com a imprensa, a justiça, a classe artística e as gravadoras, para ver seu projeto de numeração seriada dos discos (sim, ainda eram discos) colocada em prática e sua ida para o lado independente, ajudando a lançar artistas ainda não tão conhecidos do público. Mas…

Minha vontade aqui era dizer que o livro é muito mal escrito. Foi reformular, dizendo que não gostei de como o livro foi escrito. Logo no início, Claudio Tognolli, o jornalista que escreve a obra junto com Lobão, nos adverte que manteve a maneira peculiar do discurso de Lobão na escrita do livro. Infelizmente, acho que isso não ajudou muito, uma vez que temos muitas idas e vindas, encontrando comentários que só serão aprofundados mais adiante no texto, gerando uma certa confusão e fazendo com que nos percamos um pouco no desenrolar da história.

Um outro ponto negativo do livro é que está repleto de erros de revisão. No ramo editorial, hoje, encontramos muito poucas editoras que dão valor a uma revisão bem feita, os erros são mais comuns do que se poderia esperar, mas, neste livro, temos a impressão que não houve nenhum cuidado em relação ao tema e, se levarmos em conta que a ficha técnica do livro elenca dois revisores, os erros encontrados só acentuam ainda mais essa má impressão.

De qualquer maneira, apesar dos erros em demasia e da maneira ímpar de como o livro é escrito, vale a leitura para conhecer um pouco mais da história recente do rock nacional.

Rio, Junho, 1984.

Quatro da manhã, cemitério do Caju… Madrugada fria e a gente não parava de chorar… Escondidos, perambulando feito fantasmas, arrastando corrente, pelos cantos do velório… almas penadas.

Àquela hora, não havia mais ninguém na sala com o Júlio, exceto eu e Cazuza, que, por todos os motivos do mundo, não conseguíamos parar de olhar para o caixão fechado, nem parar de chorar, nem deixar de ir ao banheiro cheirar mais, pra continuar chorando: “Perder um cara como o Júlio é como uma decapitação… A gente ficou órfão do nosso irmão mais velho”, sussurrei para um Cazuza igualmente desmoronado, que me respondia: “Órfãos e fudidos, você quer dizer”, e emendou: “Vão chupar a nossa carótida…” Sim, essas visões sombrias já pairavam no ar o tempo todo.

Não parávamos de imaginar as consequências daquela perda. A minha desolação era inédita; nunca estive me sentindo tão dentro do fim, tão nada e com a alma sangrando. Vomitava meus pavores:

“Agora estamos à deriva. A gente naufraga aqui. Esse velório, esse cemitério, essa morte é como se estivéssemos chegando nas portas do inferno. A partir de agora, todas as nossas esperanças serão deixadas do lado de fora. Todas as esperanças de conquistarmos a nossa autonomia, a nossa estética. Perdemos o trem da história, Cazuza. Sem o Júlio nós não temos mais uma turma; agora somos um monte de ninguéns!… Chegou a hora dos nossos inimigos se apoderarem da cena pra formar alianças, justamente com aqueles que mais queríamos ver longe. É a hora do pastiche e da indulgência… A hora do frenesi dos mesmos cadáveres insepultos de sempre, sugando a juventude dos que nada mais têm a oferecer, além do próprio sangue de barata. É a hora dos come‑quieto nos fazerem de vilões. É a hora da morte da possibilidade da transformação, da morte da nossa ingênua esperança em querer mudar o mundo. É a hora da morte da liberdade do delírio… O Universo não conspira mais a nosso favor. O inferno é aqui e agora, e nossas esperanças ficaram num céu natimorto.”

Estava delirantemente transtornado pela dor e vagamente anestesiado pela cocaína; sem que necessariamente estivesse inteiramente fora do meu juízo.

O Júlio era um homem‑arquivo, um poço das mais variadas informações. Um ser de uma inteligência prodigiosa, de grande coragem e inspiração; um articulador.

Era um esteta, e perseguia obsessivamente a novidade, digerindo tudo que estava ao seu alcance, sem barreiras, sem dogmas. Fora a sua alegria… O Júlio era um grande poeta, uma criatura engraçadíssima, uma aventura ambulante, um sexista, um sátiro e, antes de qualquer coisa, um amigo raro.

Com tudo isso passando pela cabeça, naquele velório, suor e lágrimas se fundiam. O silêncio se desfazia com o cantar dos passarinhos, que despertavam com o dia a me causar calafrios. Na sala, o caixão fechado invocava toda uma angústia da incapacidade em não poder dar o último abraço, o último beijo. Daí pensei: “Cazuza, pensa bem: tá todo mundo dormindo, a gente tá aqui sozinho, com ele… Vamos sublimar a paradinha. Vamo esticar duas carreironas em cima do caixão? Pelo menos essa kartirinha da Ordem dos Músicos vai servir pra alguma coisa. A gente não pode se negar a fazer isso, né?” Eu fungava, apalpando freneticamente os bolsos.

“Vai ser nossa última homenagem… Não tem ninguém olhando… Vamo nessa, rapá!”

“Lobãothinho”, Cazuza de vez em quando me chamava assim, ciciando, “tá bom, vamos nessa. Mas será que não vão pegar a gente com o canudo no nariz?”

“Claro que não, bobo. Tá todo mundo cansadão, dormindo pelos cantos. E se alguém nos flagrar, vai pensar que tá tendo um visual causado pela estafa e pelo sofrimento. Além do mais, isso aqui é uma licença poética!” Depois de algum tempo tremelicando, consegui tirar a tampa de Minalba do bolso, cheia de cocaína, despejar no verso da kartira azul e pousá‑la em cima do caixão. Estiquei diligentemente duas enormes lagartas que reluziam a brilhar naquela insólita superfície — que naquele instante, em todo o seu conjunto, mais parecia uma instalação de arte contemporânea —, e passei o canudo de caneta Bic pro Cazuza: “Vai nessa, meu irmão. Pensa que é pro Júlio.” Ele me deu uma risada meio amarga, meio úmida, deu uma cafungada forte e, sem
perder o fôlego, me passou o canudo secando a narina no antebraço, dizendo baixinho: “A gente é muito louco! A gente é maluco…” Pausa. Mais uma risadinha canalha e emenda: “Mas também, o que nos resta?!” Respirei um pouco pra pegar um ar depois do catranco e, me dirigindo a um Júlio que, nesse exato momento, parecia descer das nuvens, todo de branco, como sempre gostava de se trajar, a nos abençoar, escancarando um sorriso de quem está pronto para gritar para seus irmãozinhos — “Aleluia, rapeisy!” —, contrito, lhe prometi: “Meu amigo, você vai sempre estar com a gente, você vai sempre estar vivendo dentro da gente, pode crer!”

Recebemos um fluxo de energia poderoso. Um momento ritual. A partir de então, a minha vida se resumiria em antes e depois daquele instante. A morte do Júlio Barroso foi um marco: existia o antes e o depois daquela perda. Não só para mim, mas para toda a história.

E olhando pro Cazuza, inflado de amor, arrematei: “E tem outra, rapá, não vão derrubar a gente assim tão mole, não! Vamos em frente, mesmo porque a morte do Júlio não vai ser em vão. A nossa vida não pode ser em vão, e, se nada pode deter uma pessoa feliz, nada poderá nos deter, pois a nossa história vai ser cada vez mais… cada vez mais…” Chorava copiosamente. Diante daquele vazio, gaguejando mentalmente, tentando pinçar na cabeça o que poderia ser “cada vez mais”, arrematei: “INTENSA!!!!” E não satisfeito, prossegui: “e cada vez mais… DIVERTIDA!!!!” E concluí: “A nossa onda de amor não há quem corte!!” Chacoalhando de emoção, abracei com toda a força o caixão.

Talvez tenha sido ali, naquele momento surreal, que nasceu não só uma vontade, mas um compromisso tácito entre meus amigos de que, uma vez sobrevivendo, eu deveria contar toda a história. Uma saga à procura de um lugar a que se pertencer… Eu precisava, através de um juramento, me motivar o bastante para não ver nossos sonhos serem sepultados com meus amigos.

Preparem‑se porque, a partir de agora, vou contar uma história de amor louca, insólita, humana, demasiadamente humana, imprevisível, improvável, mas bem real: a história da minha vida, que se mescla e se confunde com a da minha geração, do nosso país e de nosso tempo. Não se trata de uma simples narração de um passado longínquo, morto e enterrado, fruto de um devaneio nostálgico. É uma história cheia de vida, de intensidade e de revelações, que incide no presente e se projeta em direção ao futuro.

Portanto, não se enganem: o melhor ainda está por vir, pois essa promessa eu fiz aos meus amigos, ao pé de suas lápides. E tenham a certeza absoluta de que a cumprirei à risca.

Nota: 7,0

Ficha Técnica
Editora: Nova Fronteira
Autor: Lobão (com Claudio Tognolli)
Número de páginas: 752

Bukowski censurado

Em 1985, a biblioteca pública de Nijmegen decidiu retirar de suas prateleiras o livro de Charles Bukowski, “Tales of Ordinary Madness“, sob a alegação de que o mesmo seria “muito sádico, ocasionalmente fascista e discriminatório contra determinados grupos (incluindo os homossexuais)”.

Algumas semanas depois, um jornalista local, Hans van den Broek, entrou em contato com o autor para saber sua opinião sobre o ocorrido. A (brilhante) resposta de Bukowski, que hoje se encontra em exposição numa loja volante de livros, a Open Dicht Bus, pode ser vista (e lida) abaixo:

bukowski

bukowski

Caro Hans van den Broek:

Obrigado por sua carta contando-me da remoção de um dos meus livros da biblioteca Nijmegen. E que ele é acusado de discriminação contra negros, homossexuais e mulheres. E que é sádico por causa do seu sadismo.

A única coisa que temo discriminar é o humor e a verdade.

Se eu escrevo mal sobre os negros, homossexuais e mulheres, é por que os que eu conheci eram assim. Há muitos “males” – cães maus, má censura, há até mesmo “maus” homens brancos. Somente quando você escreve sobre “mau”, homens brancos não reclamam. E eu preciso dizer que há “bons” negros, “bons” homossexuais e “boas” mulheres?

No meu trabalho, como escritor, eu só fotografo, em palavras, o que vejo. Se eu escrever sobre “sadismo” é porque ele existe, eu não inventei isso, e se algum ato terrível ocorre no meu trabalho é porque essas coisas acontecem em nossas vidas. Eu não estou do lado do mal, como se o mal fosse algo inerente. Eu meus escritos, eu nem sempre concordo com o que ocorre, nem vou me afundar na lama por causa deles. Além disso, é curioso que as pessoas que gritam contra o meu trabalho parecem ignorar as partes dele que enaltecem a alegria, o amor e a esperança, e há essas partes. Meus dias, meus anos, minha vida viu altos e baixos, luzes e trevas. Se eu escrevesse só e continuamente da “luz” e nunca mencionasse o outro, então como artista eu seria um mentiroso.

A censura é a ferramenta daqueles que têm a necessidade de esconder realidades de si mesmos e dos outros. Seu medo é apenas a sua incapacidade de enfrentar o que é real, e eu não posso desabafar minha raiva contra eles. Eu só sinto essa tristeza terrível. Em algum lugar, na sua educação, eles estavam protegidos contra os fatos de nossa existência. Eles só foram ensinados a olhar de um jeito, quando existem muitas maneiras.

Eu não estou desanimado que um dos meus livros tenha sido caçado e retirado das prateleiras de uma biblioteca local. Em certo sentido, sinto-me honrado que eu escrevi algo que despertou essas pessoas de seu eu superficial. Mas fico magoado, sim, quando alguém tem seu livro censurado, pois esse livro, geralmente é um grande livro e há poucos desses, e ao longo dos tempos esse tipo de livro tem muitas vezes se tornado um clássico, e o que se acreditava chocante e imoral é hoje leitura obrigatória em muitas das nossas universidades.

Não estou dizendo que meu livro é um desses, mas eu estou dizendo que em nosso tempo, nesta época em que qualquer momento pode ser a último para muitos de nós, é condenadamente irritante e incrivelmente triste que ainda temos entre nós a pequenez, as pessoas amargas, os caçadores de bruxas e os declamadores contra a realidade. No entanto, estes também pertencem a nós, eles são parte do todo, e se eu não tenho escrito sobre eles, eu deveria, talvez o faça, e isso é suficiente.

que todos nós possamos ficar melhor juntos,
seu,

Visto aqui (com tradução meia-boca do Google).

Supers vs. Tecnologia

superhero

Visto aqui.